quinta-feira, 17 de abril de 2008

As marcas que carregamos

Somos resultados do quê, afinal? De um destino pré-traçado, cristalizado nas entranhas de nossas escolhas e caminhos? Das experiências que vivemos e do bem ou mal que elas nos proporcionam? Das influências, cruéis ou generosas, que outras pessoas exercem sobre nós? Das marcas que os pais nos tatuam através da infância e das quais só reconhecemos os efeitos quando maduros para dizer não? Mas aí já é tão tarde.
Li um livro recentemente que fala sobre o tema. É Marcas de Nascença, de Nancy Huston, leitura visceral em alguns momentos. Tantas vezes dolorosa; outras reconfortante. Tenho pensado o quanto tudo o que fazemos, e pensamos, e até o que construímos através da vida formam uma delirante e irresponsável aventura. E irresponsável aí quer dizer simplesmente "sem limite, sem preparação, verdadeiramente inconsequente". Estamos em estado de dúvida permanente, a brigar com o que achamos que somos, escravizando os desejos aos olhos de um destino que um dia imaginamos traçar, impondo-nos cotidianamente decepções e desvios de rota, tropeçando em experiências frustrantes e seguindo em frente.
Temos filhos e os fazemos novos personagens dessa grande corredeira e sequer sabemos bem de que forma fazer para - lá na frente - não os tatuarmos com todas as dores e ausências e carências que trouxemos de nossos pais. Achamos que sabemos tudo e que o resultado será glorioso. Mas nem sempre dá certo. Ou nunca é assim. Happy-end sem dor, sem marca de nascença, só nas fábulas midiáticas.
Porque somos uma grande sopa psicodélica desequilibrada. Misturamos - com alguma ou dose alguma de livre arbítrio - fatos, tropeços e dores tatuados numa alquimia que nem mesmo os magos druidas seriam capazes de compreender. Ou equilibrar. Ou sequer repetir.
Não sou capaz de mensurar o mal ou bem que causei aos meus filhos e à vida que eles terão pela frente. Em que momento, adultos que são, eles lembrarão de mágoas e dores e ausências mal resolvidas. Quando olho com a condescendência e generosidade com as quais me permito julgar, acho que o estrago não foi tão grande. Outras vezes, sinto e sofro o peso insuportável da grande culpa que toda a mãe carrega. Porque as mães podem ser muito infelizes, sabiam? E pensar assim é, não raras vezes, oferecer-me a fonte luminosa do perdão.


Esse texto foi inspirado na dor às vezes tão pungente e sem conforto de Karla, amiga a quem quero bem demais. E, é claro, a quem não conforto o quanto gostaria. Porque, verdadeiramente, por mais monótono que isso pudesse ser, gostaria muito de ter todas as respostas para as dúvidas que lhe incomodam.

8 comentários:

Janete Andrade disse...

hoje postei algo parecido, falando sobre o quanto as minhas marcas me amadureceram.
acho que a maioria das pessoas vêem a dor apenas como algo negativo, mas acredito que pode sim ajudar muito uma pessoa, quando esta sabe enfrentá-la de cabeça erguida, claro que esta é uma aventura perigosa porque é preciso respeitar os limites da dor, sim não podemos achar que aguentamos tudo, porque não somos super poderosos, devemos caminhar ali entre o limite da dor e o nosso. :)

bjO =*

Carlos André disse...

Lindo texto Vê... você conseguiu expressar nossas dúvidas e medos em realação a criação de nossos filhos... bem como o quanto foi difícil e também duvidoso para nossos pais nos criarem.
Acho que "Compreensão" é a chave para uma vida feliz com nossos pais e filhos. Bjs. :)

Marcelo disse...

Creio que somos resultado mesmo de nossas experiências, de nossas dores e prazeres.
Somos apenas o fruto do que plantamos, simples assim...
Temos todos nossas angúestias e arrependimentos, coisas que não perdoamos em nós mesmos assim como orgulho de muitas coisas boas que fizemos.
A vida é yin-yang, luz e escuridão, dor e gozo.
Só nos resta viver, cair, levantar, aprender e nos desenvolver cada vez mais.

Beijinhos.

Cris Medeiros disse...

Eu penso tanto nesses porquês da nossa existência que às vezes acho que vou ficar louca! Aí dou uma parada, respiro e volto a pensar tudo de novo.

Uma coisa é certa, se vc pensa nos porquês da sua vida, tem uma tendência maior de aprender com os seus erros e isso é positivo.

Quanto a filhos... Acho que não os terei... Beijos

Anônimo disse...

o doer traz consigo a opção do alívio da dor. são concomitantes e andam, lado a lado, frustração e compensação. Como num conluío interno os sentimentos de dor e reparação travam uma luta de poder cujo equilíbrio é a finalidade; como se ambos fossem e gerassem suas próprias sínteses... A própria vida é a síntase da vida; VIVENDO A MORTE DE UNS E MORRENDO A VIDA DE OUTROS, parafraseando Heráclito.
Sê bem vinda (sempre!!!) até

Lucia Laureano disse...

Texto maravilhoso!
Me fez refletir sobre exercitar o perdão com quem nos marcou e com quem nós marcaremos, afinal se não for assim enlouquecemos!

Janete Andrade disse...

'somos anjos e demônios.' (6)'
disse tudo! *.*
somos vocacionados a seguir adiante... ;)

bjo =*

Karla Lemos disse...

É minha amiga querida, não posso descrever a emoção com que li suas palavras!
Mas lendo todos os rastros me fez pensar, caramba!!! Acho que todos temos essas marcas e talvez o grande segredo seja compreender, erguer a cabeça, enfrentar a aventura, aproveitar a dor para a aprender a sorrir, não esquecer os porquês, respirar fundo e PERDOAR SEMPRE a todos e a nós mesmos!!!
Estou aprendendo e seguindo em frente, mas agora com os melhores amigos que poderia ter conquistado... bjs Karla