quinta-feira, 29 de maio de 2008

Falando sobre sexo

Há pouco mais de uma semana escrevi para uma revista da indústria farmacêutica, cliente da empresa onde trabalho, um texto sobre a evolução do comportamento sexual feminino. O cliente produz, obviamente, anticoncepcionais e o texto não poderia fugir desse ícone que é a questão da libertação que mulheres e homens conquistaram a partir do surgimento da pílula e da desvinculação possível entre sexo e procriação.
Algumas das idéias que apresentei no texto gostaria que estivessem por aqui também. E, obviamente, abertas aos comentários de todos.
Somos resultados de uma seqüência ancestral de relacionamentos entre homens e mulheres e que geraram filhos. Portanto, procriar é o fundamento de nossa existência e, assim, nada mais adequado do que o esforço da ciência em pesquisar evolução e sexo. É evidente também que à ciência não poderia faltar a percepção de que se mulheres e homens usam o cérebro para pensar em sexo, as alterações corporais que o resultado dessa atividade podem originar são bem diferentes. Ou seja, mulheres gestam, contribuem para a preservação da espécie, povoam o mundo, mas também gostariam de viver integralmente os prazeres do sexo sem que a procriação viesse junta no mesmo pacote. Esta motivação está na origem das práticas contraceptivas. Porque na maioria das vezes a motivação para o sexo não se faz pela tentativa de procriação.
Quando nos voltamos às teorias iniciais sobre o comportamento sexual dos animais, vemos estudos científicos mostrando que os machos desenvolveram comportamentos sexuais competitivos, lutando entre si ou produzindo ornamentos corporais para ter acesso às fêmeas. Além disso, por causa da facilidade para produção de esperma e a pouca ou nenhuma responsabilidade parental, machos de muitas espécies tinham pouco a perder ao fertilizar muitas fêmeas, tendendo a um comportamento evolutivamente mais promíscuo. Fêmeas, por outro lado, ao invés de esperma, produziam um óvulo único, bem maior e custoso do ponto de vista biológico, passando por todas as dificuldades de uma gravidez e cuidando da cria até que ela tivesse alguma auto-suficiência. Mudamos muito até o dia de hoje? Sem dúvida. Homens e mulheres, em alguns casos por força da lei; em muitos outros por força de um novo modelo de educação e vida em sociedade, criaram compromisso com os filhos gerados através de suas vidas.
Mas vale observar que muitos desses aspectos são uma justificativa plausível para comportamentos que ainda hoje regulam a vida de homens e mulheres. E assim, com tanto investimento por causa da função de gestar, fêmeas de muitas espécies - humanas, inclusive - tendem a ser muito mais seletivas na escolha de seus parceiros e muitas delas preservam um comportamento mais monogâmico.
É claro que esses são estereótipos de machos e fêmeas que, embora nos chamem a atenção, não descrevem a realidade da sociedade moderna. Além disso, tais características não são exclusivas. A agressividade na escolha de parceiros, por exemplo, existe em muitas mulheres e nossos "homens modernos" cuidam muito bem dos filhos, enquanto morrem de medo de "pular a cerca" ou pelo menos serem pegos nessa tarefa.

A disseminação da democracia moderna e as intervenções da tecnologia, como as ferramentas de mídia, resultaram na formação de uma cultura global moderna. O comportamento de "macho dominante" foi a regra durante muitos séculos de nossa história. E embora tal padrão ainda encontre semelhança em certas sociedades ditatoriais atuais, a grande revolução sexual dos últimos trinta anos é exatamente a que constrói um novo perfil de homens e mulheres, ou seja, machos não mais dominantes e mulheres não mais dominadas. E assim, menos comprometidos com um padrão aprisionador de comportamento, e entendendo que se o grande órgão sexual de homens e mulheres é realmente o cérebro, pensar em sexo é pensar em prazer e em formas de torná-lo mais reconfortante e seguro.
A disponibilidade da pílula anticoncepcional nas últimas décadas quebrou o paradigma entre sexo e gravidez, destruindo mitos e crenças sociais existentes por milênios. A existência da pílula contraceptiva fez com que o sexo passasse a ser buscado apenas por prazer, sendo o planejamento dos filhos uma escolha individual para o momento exato. Mulheres podem evitar relacionamentos prolongados pelo tempo que desejarem e enquanto conseguirem atrair parceiros interessantes.
Alguns pesquisadores mostram que esse comportamento gerou a existência de um sistema social relevante, particularmente em grandes cidades, onde pessoas podem "provar antes de comprar" tudo o que quiserem, e assim podem buscar o parceiro mais compatível e avaliar se querem ou não iniciar uma família. Pode parecer um tanto grotesco à primeira vista, mas o que realmente a pílula anticoncepcional ofereceu - e nesse caso, especialmente à mulher - foi a possibilidade de conhecer parceiros, sexualmente inclusive, e sem necessariamente a idéia de cada um fosse um potencial marido. E isso não quer dizer que mulheres, mesmo diante da emancipação social e financeira, não estejam em busca de um relacionamento maduro e comprometido e que disto origine uma relação familiar formal. A grande maioria busca o que é também uma vocação de nossa espécie: homens e mulheres gostam da vida juntos, até porque esse é um modelo ancestral que gostamos de ver repetido. E se procuramos alguém com quem nos identifiquemos social e culturalmente para formamos um novo grupo familiar, não podemos mais prescindir de um novo ingrediente de satisfação e seletividade: a afinidade sexual. Poder testá-la e usá-la como critério também de escolha de parceiros foi certamente a mais importante e revolucionária ferramenta de que homens e mulheres fizeram uso nos últimos anos. Mais ainda as mulheres, para quem a pílula é instrumento de libertação.

Assim, o comportamento sexual da mulher hoje é nada mais do que a prova de tanto quanto vocacionados para o sexo, homens e mulheres são vocacionados para a evolução. Não reconhecer isso é fechar os olhos para as nossas múltiplas possibilidades. No sexo, inclusive.

8 comentários:

Janete Andrade disse...

viva a evolução! õ//

=*

Joice Worm disse...

Verônica, o tema é pertinente e eu quero ler até ao fim. Vou voltar logo mais à noite e lhe deixo outro comentário.
Obrigada pelo coment de hoje. Já deixei uma resposta tipo conversa de varanda, com um cházinho na mão. Esqueci de colocar o seu nome, mas está logo a seguir ao seu.
Volto já!

Camilla Tebet disse...

Nossa, que super texto. És uma grande jornalista e mais até..
Mas estou aqui pensando também, e pode ser completamente fora de contexto, mas.. se a pílula anticoncepcional abre todo um universo de liberdade para a mulher, permitindo inclusive a deliciosa prática do experimentar antes de comprar, a ameaça do HIV fecha um pouco esse universo. Um doença surgida há poucas décadas, freia , breca um pouco essa experimentação. Sim, a camisinha reabre essa possibilidade mais livre, mas mesmo assim ela não é 100% segura e mesmo com o seu uso, o medo passa a ser parte integrante do sexo experimental. E aí me pergunto, é a evolução? Um acidente nela? Porque então o sexo, que teria a função procriativa e de prazer, com o HIV ganha também a função de adoecer, podendo matar, no caso da doença. Sexo procria, gera prazer e é sentença de morte como parte da evolução..
A mulher que usa anti concepcional é aquela que presumidamente tem parceiro fixo e "confiável",todas as outras, deveriam então usar camisinha, correto?
Pode ser besteira.. posso ter pensado de maneira desconexa não sei. Estou pensando.

Assim que sou disse...

Camila,

Eu poderia te responder da forma mais simplista: o risco é inerente ao jogo. Mas claro que falamos de algo mais complexo do que jogar. Acho que você tem razão. Há pouco mais de 20 anos, as grandes conquistas da questão do comportamento sexual foram confrontadas com a ameaça presente do vírus HIV. É preciso praticar sexo seguro, livre e responsável. E da mesma forma que a ciência criou um paradigma com a pílula, deu origem também a esse vírus mutante, ao qual ela mesmo tem que se confrontar. É uma discussão conceitual muito rica e que envolve aspectos ligados ao cotidiano de todos os homens e mulheres, com mais ou menos idade. Seu comentário é uma variante muito boa para pensar e discutir.
bjs.

Anônimo disse...

Sexo, complexo, evolução, aids.

Verônica Elias Rumorosa disse...

Bah, um texto extremamente interessante e muitíssimo bem escrito, concordo plenamente com tudo que escreveste. Parabéns!

Aos poucos, vamos evoluindo...ainda bem!

Apareça
www.desarranjosintetico.blogspot.com

Abraços.

Fábio!

Joice Worm disse...

Gosto quando dizes:
"...mulheres gestam, contribuem para a preservação da espécie, povoam o mundo, mas também gostariam de viver integralmente os prazeres do sexo sem que a procriação viesse junta no mesmo pacote..."
Uma mulher sabe amar como ninguém. Fomos feitas para isto, a procriação é uma consequência da natureza, mas se puder evitar que venha tão cedo ou que venha por demasiadas vezes, o homem poderia apreciar os deleites de uma eternidade de amor!
Belo texto, amiga! Bravo!

Ana Laura disse...

Eu acho válida a evolução e o direito da escolha pra mulher também, oras...
Direitos iguais, não é assim?
Seu texto tá maravilhoso, pra variar, rs.

Ó, você não tem idéia de quanto aquele seu penúltimo comentário valeu pra mim.

Beeijo