segunda-feira, 30 de junho de 2008

Prá discutir a mesmice

A incrível capacidade humana de criar e transformar é frequentemente confrontada com a doença da mesmice. Por que é que temos todos – ou a grande maioria – de sermos os mesmos, repetindo os mesmos erros, vivendo os mesmos pré-conceitos, perpetuando comportamentos seculares e pensando da mesma forma que nossos antepassados ancestrais. É claro que tudo isso é um exagero superlativo. Não ignoro os fantásticos avanços comportamentais que nos empurraram para a contemporaneidade social do século XXI. Mas algumas idéias, quase dogmas, permanecem encravadas na expectativa que todos temos diante da cronologia de nossas vidas e das fases que devemos viver em todas elas.
Quero pensar um pouco sobre isso e ouvir também. Até porque estou meio que no centro desse furação de expectativas cronológicas. Sim, a linha do tempo me colocou naquele palco onde, ao termos filhos adultos, somos obrigados a pensar em somar à categoria de mãe um novo emblema: o de avó. E ao saberem que tenho um filho de 26 anos e já casado, a pergunta mais comum não é o que para mim é o mais importante. Queria que todos, em nome da gentileza ou da curiosidade, só quisessem saber se ele está feliz. Porque é isso que importa. Mas, de modo geral, a pergunta sempre soma um infalível ingrediente: "Ih...daqui a pouco vai ser vovó"; ou "Já é vovó?"; talvez " Está preparada para ser avó?".

Não...não sei se estou preparada para ser avó. Tem algum curso preparatório? Tenho a obrigação de conter dentre meus múltiplos sentimentos o desejo febril de ser avó? Sinceramente, vim ao mundo sem essa ferramenta. E isso não quer dizer que não queira, que abomine a idéia de sê-lo. Muito pelo contrário. Amo tanto meus filhos que certamente amarei todos os momentos em que eles estiverem felizes. E se ter filhos for para eles o que foi para mim, um momento de escolha e certeza incomparáveis, estarei aí ao lado, curtindo muito a chegada do rebento. Mas não carrego comigo o desejo prévio da perpetuação genealógica. Não acho que tenha chegado a uma fase da vida onde ser avó seja a minha única meta. Sou produtiva e assim ainda me imagino seguir por longo tempo. Portanto, o padrão clássico da avó cuidando dos netos nem mesmo combina comigo. E meus filhos sabem disso.
Tenho amigas casadas que optaram por não ter filhos. E embora tenha sido criada dentro de um ambiente familiar meio que conservador, onde ter filhos era a sequência natural da vida de homens e mulheres, fui também educada para ser independente, dona do meu próprio corpo, incluindo o nariz. E assim, dessa forma autonômica, conheci o mundo, as pessoas e a mim mesmo. Descobri erros e acertos, desenhei erros e acertos e continuo acertando e errando, tudo ao mesmo tempo e agora. E nessa grande sopa, a idéia de não ter filhos é hoje uma escolha que não me incomoda. Entendo de forma tão clara a opção de minhas amigas, ainda que cada uma tenha um caminho diferente para explicar esse não desejo.
Estamos construíndo um novo mundo a cada dia. E ser capaz de romper com a mesmice, com o comodismo do pensamento tacanho que não admite novas vertentes, novas cores, novos gestos é dar passos além. E diga-se: não vai aqui crítica alguma às mulheres que querem, sonham, vibram com a idéia de serem avós. Só não quero ser obrigada a querer ser ou a ter que desejar ser. Meu tempo cronológico está expresso nos meus gestos. E esses serão sempre generosos.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Porque amar dá trabalho

Não sou alguém a quem todos amem ou só teçam elogios. Carrego equívocos milenares, alguns que certamente vivi e repeti também em outras vidas. Sou voluntariosa, personalista, meio rebelde, meio insensata, teimosa e até obsessiva. Mas a minha versão combo dá de brinde alguns ingredientes que até atraem pessoas ao meu mundo. E a esses me dedico. Porque acho que dedicação é fundamental na expressão do amor. E ser dedicado nada tem de subserviência ou submissão. É entrega no limite do que é possível, do que é real porque pode e deve sempre ser transfigurado em gestos. De perdão, compreensão, decepção, frustração.....e não necessariamente nessa ordem.
É que amar dá um trabalho imenso. É preciso querer muito e sempre. Atravessar fortalezas, romper diques, investigar párocos, enfrentar dragões, conquistar a Ásia, a Oceania e mais 24 territórios. Pior mesmo é quando nesse ofício você procura a excelência. E eu, confesso, procuro sim. Quero o ISO-9001. Nem quero pensar em me doar pela metade.Se for pela metade é melhor não ser. Amar é coisa prá se fazer por inteiro. E quanto mais amo mais sei que não existem salvaguardas, áreas de escape ou indulgências. Porque as consequências desse amor e suas dores serão também e sempre intensas. Por isso é preciso querer de verdade o bem que o amor pode nos proporcionar. E engolir em seco, contar até mil, fazer personagens... E cultivar, aguar, replantar cotidianamente. Dá um trabalho imenso. É quase um Moysés abrindo o Mar Vermelho.
E embora sejamos frequentemente preguiçosos, não posso porque não quero permitir que o comodismo retire de mim a incrível capacidade de amar. E que me faça amendrontada diante do que o bem do amor pode me trazer.
Não vou desistir nunca de cultivar os meus amores. E de tratá-los bem, ainda que escorregando nos equívocos ancestrais que teimam em colocar-nos em lados opostos. Quero a dedicação messiânica e consciente porque ela - tenho certeza disso - é a minha melhor ferramenta.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Se

Se te faço luz, tenho a presença,
se te peço a mão, busco esperança,
se te olho os olhos, conheço a fé,
se te chamo em voz, quero vida,
se te lembro histórias, perco o medo
mas se te digo vem, transformo o mundo.


É essa certeza avassaladora que me move. Sempre.

terça-feira, 17 de junho de 2008

De volta à inspiração

Depois de alguns dias de alma nublada, me sinto novamente inspirada. Faz frio no Rio de Janeiro. O céu recoberto de nuvens. Mas a chuva que insistia em se manter sob meus olhos, desfez-se. Estou confiante e, mais uma vez, crédula. Em mim e nas inúmeras possibilidades que circundam o meu entorno. Essa é, sem dúvida, a melhor sensação. A de que posso, que quero, que vou buscar e tornar real.
Estou pensando em perdão, compreensão, afeto equilibradamente sereno. Sentimentos que me desadrenalizam, mas que gosto e preciso viver quando volto a subir a escada. É curiosa essa sensação do recomeçar. Não parei, não fechei os olhos, nem revi conceitos. Simplesmente adormeci minha energia. E hoje tive a nítida sensação de que voltei a despertar. Sem sustos, sem açodamento, mas sempre esperançosa. A literatura da auto-ajuda me incomoda, mas hoje me sinto dentro de um desses manuais do bom viver. Quase uma Revista Nova com suas infalíveis "dez lições para encontrar o homem de sua vida". Meio bobo, meio vazio, sem muita explicação empírica. Só sentimento, só sensação.
Sei que poderia falar horas sobre isso. Ou escrever, despreocupadamente. De um modo geral não faço rascunhos. Deixo sempre que a emoção flua. Quase sopro, meio brisa, lufada mediúnica que toma posse de mim. Quero muito o sorriso inteiro de meus filhos. A presença do amor, expressa em todas as suas formas e linguagens. Quero, só quero. E querer é sempre expor-se na vitrine. Que todos visitem a loja e peçam doses generosas do que tenho por lá.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Um dia para chorar

Hoje queria muito chorar,
mas nem sei como fazê-lo.
Acho que desaprendi
ou perdi na esquina da alma segura.
Mas que alma segura
o que nem se pode conter?
A seca das lágrimas desidratou meu corpo
e trouxe sede.
Quero chorar porque estou triste,
porque preciso da benção desse molhar
que irriga minha´alma
e filtra a dor.
Quero chorar porque tenho vontade,
porque choro por dentro
e preciso vazar o que me afoga.


Esse poema, quase prosa, é motivado pela perda trágica de um companheiro de trabalho. Hoje, ao ver tantas pessoas sob lágrimas, pensei o quanto me incomoda não conseguir expressar minha dor além da minha própria dor. Faz tempo que preciso chorar. Mas não quero viver a dor para reaprender a chorar.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Sonho

Eu creio em sonhos e penso mesmo que eles são, não raras vezes, sinalizações espirituais que não sou capaz de perceber conscientemente. Sei que para muita gente isso pode parecer delírio, mas realmente penso que somos um universo de possibilidades e, dentre elas, estão as que não posso e nem necessariamente quero explicar.
Assim sendo, creio em sonhos premonitórios expressos em situações ou mesmo interpretações do que vivo nesse mundo paralelo. E hoje, especialmente, sonhei com uma imagem que se repete quando sei que coisas boas vão acontecer. Estava num parque, sentada numa espreguiçadeira em frente a um lago. Fazia frio sob o céu em azul. Ao meu lado, ocasionalmente, minha amiga Kátia, doce figura e que, como eu ou mais do que eu, ama viajar e se oferecer o universo das possibilidades. Estávamos, a meu ver - ou talvez porque ame o lugar - no Jardin des Tulheries, em Paris. Mas não era o lugar que era importante e sim a sensação de paz, de plenitude, do silêncio quieto que nos fala todas as verdades. Como se naquele momento fôssemos o lastro que permitia o equilíbrio, a verdadeira harmonia entre todos os elementos da cena. Ou do sonho.
Me deu uma sensação de paz tão profunda que acordei com esse espírito. Paciente, revolucionário, crédulo e absolutamente harmônico. Sou melhor quando sou assim, não tenho dúvidas. Me faz bem acreditar que hoje vai ser um dia melhor que ontem, repleto de boas notícias, de amor e compaixão.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Prisão

E ao te ver fez-se o encanto,
misteriosa alquimia
que desafia os sábios
e entorpece a razão.

Mas que razão há nesse canto?
Se só a infinita harmonia
que explica o universo
e decifra meus códigos.

Que expõe descaradamente
o que goteja e escorre.
E não há dique salvador
que possa conter esse mar.

O som da tua alma
cruzou o meu caminho
e eu só estendi a mão
e segurei.

Há prisão mais libertadora?

terça-feira, 3 de junho de 2008

A alma adolescente que ainda mora em mim

Algum resquício da alma da adolescente que fui permanece em mim. Nem toda a maturidade e experiência impedem que, eventualmente, a limitação maniqueísta dos que acham que têm toda a verdade do mundo me tome de assalto. E aí, irrefletidamente, divido o mundo entre os bons e os maus. E, é claro, estou sempre do lado dos bons. E olhe que nem sou tão boazinha assim. Mas sempre acho que estou repleta das razões que justificam minhas atitudes. E me enraiveço, tomo-me de um sentimento de indignação como se o mundo em minha volta não conseguisse ver o que, aos meus olhos nublados, parece óbvio: tenho razão, queria um mundo de seguidores a reconhecer em mim a grandeza dos filósofos e a lucidez serena dos monges.
Mas não sou nada disso. E, na verdade, não quero nada disso. Quero o equilíbrio, a serenidade possível, a tranquila observação de que o mundo está muito além da redução maniqueísta que só vê dois caminhos: ou a terra firme ou o precipício.
Quando acerto meu prumo, seguro meu timão e sigo meu caminho, o vejo sob a ótica da reflexão. Destemperos ocasionais, mas sempre mais ou menos dentro da estrada. Hoje quero muito ser capaz do exercício do silêncio. Me expor menos, especialmente na face mais tresloucada. Ficar com uma raiva ensandecida, que só me traz sentimentos de injustiça, me faz só. E sem a companhia do que tenho de mais caro a mim. Eu mesmo.